terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Lembranças de Bucos - Desfolhadas e Lavradas
Lembranças de Infância – As Jornadas do Campo em Bucos
Nos anos cinquenta, a vida em Bucos desenrolava-se ao ritmo das estações e ao compasso das grandes tarefas agrícolas. Eram tempos em que os campos e as eiras se enchiam de gente, de vozes, de força e de cumplicidade. Cada trabalho exigia mãos, braços, pulmões – e, sobretudo, união. Hoje era para mim, amanhã era para ti, e assim se vivia, num ciclo de ajuda mútua que sustentava famílias e fortalecia amizades.
Nas lavradas, o campo transformava-se num pequeno exército organizado. Havia os picadores das seitas, que abriam o solo firme; o espalhador do estrume, que preparava a terra para a nova vida; o homem do arado, que guiava o ferro profundo; e o puxador do gado, que orientava as vacas na sua passada lenta e poderosa. Mas a figura mais marcante era o tocador — o homem de pulmão largo, voz aberta, que berrava para anunciar que havia lavrada grande. Em Bucos, esse papel cabia ao Sr. Avelino do Jerónimo, mestre na arte de se fazer ouvir pelas serras e vales. O seu brado ecoava longe e era quase um chamamento ancestral, que misturava trabalho, orgulho e tradição.
Nas malhadas do centeio, o ritmo era outro: seco, firme, compassado. Os malhadores batiam a palha com força, e o barulho dos malhos tornava-se quase música, acompanhado pelas conversas altas que desafiavam o silêncio da aldeia. Ali, o som era prova de vigor, era sinal de que o trabalho ia andando, de que havia fartura para colher.
Nas tarefas das batatas, surgiam os arrancadores e as apanhadeiras, cada qual no seu gesto repetido mas essencial. Era trabalho duro, de muita dobra de costas, de terra nas mãos e pó nos rostos, mas também de companhia e partilha.
E depois vinham as desfolhadas, talvez as mais alegres de todas. O trabalho ali era leve, quase festivo. Entre mãos ágeis que libertavam as espigas, surgiam as cantorias, as risadas e a expectativa do milho-rei, que trazia brincadeiras e pequenas cumplicidades. Nesses serões, havia menos esforço e mais convivência; as pessoas ficavam mais perto umas das outras, literalmente e no coração.
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