domingo, 14 de dezembro de 2025
História do Ecomuseu Familiar da Casa de Sanoane de Cima
Chamo-me Manuel e cresci na Casa de Sanoane de Cima. Quando era pequeno, achava que a casa falava comigo, mesmo sem mexer os lábios. Hoje sei que não era imaginação: era a memória a chamar.
Lembro-me bem do dia em que tudo começou. Estava sentado à sombra da figueira grande, aquela que sempre deu mais sombra do que parece possível. Enquanto comia um figo maduro, reparei nas marcas do tempo no tronco e pensei que aquela árvore tinha visto muito mais do que eu. Tinha visto crianças a crescer, gente a partir, gente a voltar.
Fui então até ao forno antigo. O Lourenço estava lá, a passar a mão pelas pedras negras do fumo. Disse-me que aquele forno já tinha alimentado meia aldeia. Imaginei o pão a sair quente, as mulheres a conversar, os risos e até o cansaço dos dias longos. O forno não era só pedra: era cuidado e partilha.
Seguimos depois para o cruzeiro. O José estava parado a olhar os caminhos, como se escolhesse qual seguir. Disse-nos que por ali passavam todos: para a missa, para as malhadas, para as festas e para a vida. Percebi que os caminhos guardam passos, mesmo quando já ninguém os vê.
Nos pomares encontrei o Miguel, que contava as árvores uma a uma. Cada colheita tinha uma história, cada ano ensinava a esperar. Aprendi ali que a terra não promete pressa, mas recompensa quem respeita o seu tempo.
Quando o calor apertou, apareceu o Daniel, com um guarda-sol e brinquedos de água improvisados. Ríamos muito. Foi aí que percebi que a alegria também faz parte da memória, e que um lugar sem risos fica incompleto.
Nesse dia entendemos todos a mesma coisa, mesmo sem dizer em voz alta: nada daquilo podia ser esquecido. A casa, o forno, a eira, as árvores, a água, os caminhos — tudo tinha valor porque tinha vida.
Foi assim que nasceu a ideia do Ecomuseu da Casa de Sanoane de Cima. Não como um museu fechado, mas como um lugar onde as histórias continuam a acontecer. Um espaço onde os mais velhos ensinam, as crianças perguntam e quem chega escuta.
Hoje, quando volto e caminho devagar, sinto que continuo a fazer parte de tudo. E sei que, enquanto alguém escutar com atenção, a Casa de Sanoane de Cima nunca deixará de contar a sua história.
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