segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

O Lagar da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Miguel

Na Casa de Sanoane de Cima existe um lagar de uvas, largo e fundo, feito de pedra antiga. Todos os outonos, o lagar acordava com gargalhadas, pés descalços e uvas maduras a estalar de alegria. O menino Miguel adorava aquele lugar. Dizia que o lagar tinha cheiro de festa e de segredo. Quando ninguém via, Miguel sentava-se na beira da pedra e ficava a ouvir o silêncio, que ali nunca era vazio. — Lagar, está acordado? — perguntou ele. O lagar não falava, mas lembrava. Lembrava-se das vindimas, dos cestos cheios, das mãos roxas de sumô, das cantigas que subiam mais alto do que os muros. Miguel gostava de imaginar as uvas para conversar entre si. — Aperta devagar — dizem elas —, queremos virar vinho bom! Nos seus sonhos, o lagar enchia-se de gente outra vez. Os pés dançavam, o mosto corria vermelho e doce, e a casa inteira parecia sorrir. Um dia, Miguel disse: — E agora, para que serve? O lagar sentiu o sol aquecendo a pedra e respondeu sem palavras: servia para ensinar. Ensinava que o tempo transforma, que da uva simples nasce algo forte e generoso, e que as festas da aldeia moram na memória. Miguel passou a mão pela pedra lisa e prometeu: — Vou guardar tudo isto comigo. Desde então, sempre que o vento passa pela Casa de Sanoane de Cima, parece trazer um cheiro leve ao vinho novo e a certeza de que, enquanto houver um menino como o Miguel, o lagar de uvas nunca ficará vazio.

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