segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

A Fonte da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Miguel

Em frente à Casa de Sanoane de Cima havia, e ainda há, uma fonte de água fresca e cantarina. A água era tão clara que parecia feita de vidro, e diziam os mais velhos que era “água boa”, daquelas que matam a sede e refrescam a alma, mesmo não sendo controlada por máquinas nem por tubos modernos Antigamente, ao lado da fonte, existia um tanque em pedra com lavadouro. As mulheres da aldeia iam lá lavar a roupa, batendo os lençóis na pedra lisa, enquanto conversavam e riam. A água vinha da poça do Souto, correndo livre pelos caminhos da terra, trazendo o cheiro das folhas e o murmúrio da floresta. O pequeno Miguel gostava de sentar-se no muro baixo da fonte e observar tudo. Via a água a cair, ouvia as histórias antigas e molhava as mãos, imaginando que aquela fonte era mágica. Às vezes, fingia que era um explorador e que a água vinha de um reino escondido debaixo da terra. Com o passar dos anos, as coisas mudaram. A água passou a vir do nascente do Silvaredo. Os habitantes do lugar juntaram-se e, com esforço e união, encanaram a água para que chegasse limpa e segura à fonte. Já não havia o tanque de lavadouro, mas a fonte continuava ali, firme, guardando a memória do passado. Miguel, agora um pouco maior, continua a visitar a fonte. Bebia da água fresca e lembrava-se das histórias que ouvira em criança. Para ele, aquela fonte não era apenas água: era amizade, trabalho em conjunto e amor pela terra. E assim, todos os dias, a fonte da Casa de Sanoane de Cima continua a correr, ligando o ontem e o hoje, enquanto o menino Miguel aprendia que a água, tal como as histórias, deve ser cuidada para nunca deixar de correr.

O Lagar da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Miguel

Na Casa de Sanoane de Cima existe um lagar de uvas, largo e fundo, feito de pedra antiga. Todos os outonos, o lagar acordava com gargalhadas, pés descalços e uvas maduras a estalar de alegria. O menino Miguel adorava aquele lugar. Dizia que o lagar tinha cheiro de festa e de segredo. Quando ninguém via, Miguel sentava-se na beira da pedra e ficava a ouvir o silêncio, que ali nunca era vazio. — Lagar, está acordado? — perguntou ele. O lagar não falava, mas lembrava. Lembrava-se das vindimas, dos cestos cheios, das mãos roxas de sumô, das cantigas que subiam mais alto do que os muros. Miguel gostava de imaginar as uvas para conversar entre si. — Aperta devagar — dizem elas —, queremos virar vinho bom! Nos seus sonhos, o lagar enchia-se de gente outra vez. Os pés dançavam, o mosto corria vermelho e doce, e a casa inteira parecia sorrir. Um dia, Miguel disse: — E agora, para que serve? O lagar sentiu o sol aquecendo a pedra e respondeu sem palavras: servia para ensinar. Ensinava que o tempo transforma, que da uva simples nasce algo forte e generoso, e que as festas da aldeia moram na memória. Miguel passou a mão pela pedra lisa e prometeu: — Vou guardar tudo isto comigo. Desde então, sempre que o vento passa pela Casa de Sanoane de Cima, parece trazer um cheiro leve ao vinho novo e a certeza de que, enquanto houver um menino como o Miguel, o lagar de uvas nunca ficará vazio.

Casa de Sanoane de Cima

Casa antiga, de pedra e silêncio, onde o tempo abranda os passos. As paredes guardam vozes de quem ficou e de quem partiu. No canastro, o milho dorme a memória, grão a grão, histórias de colheita e pão, mãos calejadas, dias longos, o sustento feito de esperança. O cruzeiro ergue-se firme na rechã, vigia caminhos, vitórias e promessas, A cruz de fé, de sombra breve, marco de encontros e despedidas. A figueira abre o seu abraço largo, folhas como mãos protetoras, frutos doces de verão, infância colhida ao correr dos dias. E a fonte canta baixinho, sem pressa, água clara a lavar cansaços, espelho do céu e da serra, vida a nascer da pedra fria.

domingo, 14 de dezembro de 2025

História do Ecomuseu Familiar da Casa de Sanoane de Cima

Chamo-me Manuel e cresci na Casa de Sanoane de Cima. Quando era pequeno, achava que a casa falava comigo, mesmo sem mexer os lábios. Hoje sei que não era imaginação: era a memória a chamar. Lembro-me bem do dia em que tudo começou. Estava sentado à sombra da figueira grande, aquela que sempre deu mais sombra do que parece possível. Enquanto comia um figo maduro, reparei nas marcas do tempo no tronco e pensei que aquela árvore tinha visto muito mais do que eu. Tinha visto crianças a crescer, gente a partir, gente a voltar. Fui então até ao forno antigo. O Lourenço estava lá, a passar a mão pelas pedras negras do fumo. Disse-me que aquele forno já tinha alimentado meia aldeia. Imaginei o pão a sair quente, as mulheres a conversar, os risos e até o cansaço dos dias longos. O forno não era só pedra: era cuidado e partilha. Seguimos depois para o cruzeiro. O José estava parado a olhar os caminhos, como se escolhesse qual seguir. Disse-nos que por ali passavam todos: para a missa, para as malhadas, para as festas e para a vida. Percebi que os caminhos guardam passos, mesmo quando já ninguém os vê. Nos pomares encontrei o Miguel, que contava as árvores uma a uma. Cada colheita tinha uma história, cada ano ensinava a esperar. Aprendi ali que a terra não promete pressa, mas recompensa quem respeita o seu tempo. Quando o calor apertou, apareceu o Daniel, com um guarda-sol e brinquedos de água improvisados. Ríamos muito. Foi aí que percebi que a alegria também faz parte da memória, e que um lugar sem risos fica incompleto. Nesse dia entendemos todos a mesma coisa, mesmo sem dizer em voz alta: nada daquilo podia ser esquecido. A casa, o forno, a eira, as árvores, a água, os caminhos — tudo tinha valor porque tinha vida. Foi assim que nasceu a ideia do Ecomuseu da Casa de Sanoane de Cima. Não como um museu fechado, mas como um lugar onde as histórias continuam a acontecer. Um espaço onde os mais velhos ensinam, as crianças perguntam e quem chega escuta. Hoje, quando volto e caminho devagar, sinto que continuo a fazer parte de tudo. E sei que, enquanto alguém escutar com atenção, a Casa de Sanoane de Cima nunca deixará de contar a sua história.

Projeto de Ecomuseu da Casa de Sanoane de Cima

1. Enquadramento e Visão A Casa de Sanoane de Cima, situada na freguesia de Bucos, insere‑se num território rural de forte identidade histórica, agrícola e comunitária. O projeto de Ecomuseu da Casa de Sanoane de Cima pretende valorizar o património material e imaterial local, preservando memórias, saberes e práticas tradicionais, ao mesmo tempo que cria um espaço vivo de cultura, património e desenvolvimento sustentável. O ecomuseu não será apenas um edifício expositivo, mas um território vivido, onde a casa, os campos, os caminhos, as árvores, os fornos, as eiras e as histórias das pessoas formam um conjunto inseparável. 2. Objetivos Gerais Preservar e valorizar o património rural, agrícola e arquitetónico da Casa de Sanoane de Cima. Recolher, salvaguardar e divulgar a memória oral da aldeia e das suas gentes. Incentivar o turismo cultural e de natureza, de forma sustentável. Criar um polo de identidade local e orgulho comunitário. 3. Conceito de Ecomuseu O ecomuseu assenta em três pilares fundamentais: O Lugar – a casa, os anexos agrícolas, os campos, as árvores (figueira, nogueira, macieira, videira, pessegueiro), a eira, o forno e os caminhos envolventes. As Pessoas – moradores, antigos trabalhadores rurais, crianças, visitantes, investigadores e voluntários. A Memória Viva – histórias, lendas, práticas agrícolas, festas, brincadeiras de infância, gastronomia e saber‑fazer tradicional.

História Fundadora do Ecomuseu

Diz‑se na Casa de Sanoane de Cima que as histórias não moram nos livros, mas nas pedras, nas árvores e nos caminhos. Durante muitos anos, tudo ali viveu em silêncio atento, à espera que alguém escutasse. Foi numa tarde de verão que o menino Miguel, brincando à sombra da figueira antiga, perguntou por que razão aquela árvore parecia conhecer tantos segredos. A figueira não respondeu com palavras, mas deixou cair um fruto maduro, como quem diz: escuta. Miguel correu então até ao forno velho, onde encontrou o menino Lourenço, a passar a mão pelas pedras gastas pelo tempo. O forno parecia adormecido, mas ainda guardava o calor de centenas de fornadas, as vozes das mulheres a amassar o pão e as conversas demoradas à espera da cozedura. Mais adiante, junto ao cruzeiro da rechã, estava o menino José, seguindo com os olhos os caminhos que se cruzavam. Ali tinham passado gerações: para a missa, para as malhadas, para as festas e para a vida. Cada passo deixara uma memória invisível. Nos pomares, o menino Manuel contava as árvores como quem conta histórias. Cada macieira, cada nogueira, cada videira tinha visto crescer crianças, colheitas e anos bons e maus. A terra ensinara‑lhes a esperar. E quando o calor apertava, o menino Daniel abria o guarda‑sol e inventava brinquedos de água, lembrando que a alegria também faz parte da memória de um lugar. Foi então que os meninos perceberam que tudo aquilo — a casa, o forno, a eira, as árvores, a água e os caminhos — não podia ficar esquecido. Não era apenas passado: era vida ainda presente. Decidiram, sem o saber, criar um ecomuseu. Um museu sem paredes fechadas, onde cada canto contasse uma história, onde os mais velhos ensinassem e as crianças perguntassem. Um lugar onde a memória não ficasse guardada, mas fosse partilhada. Assim nasceu o Ecomuseu da Casa de Sanoane de Cima: do olhar curioso das crianças, do silêncio cheio de sentido das coisas antigas e da vontade de não deixar perder aquilo que fez a aldeia ser casa. E dizem que, ainda hoje, quem entra devagar e com atenção, consegue ouvir risos de meninos misturados com o som do vento nas árvores — sinal de que a memória continua viva.

O Forno da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Lourenço

Na Casa de Sanoane de Cima existe um forno antigo de pão, feito de pedra grossa e boca larga, escurecido pelo fumo de muitos anos. Durante gerações, aquele forno acordara madrugadas, aquecera invernos e enchera a casa do cheiro bom do pão acabado de cozer. O menino Lourenço gostava de se sentar perto do forno e ouvir as histórias que os mais velhos contavam. Diziam que ali dentro tinham entrado milhares de broas de milho e centeio, feitas com mãos cansadas mas felizes. O forno era paciente, guardava o calor e devolvia alimento. — Este forno já trabalhou mais do que muita gente — dizia o avô, sorrindo. Lourenço imaginava o forno vivo. Via as chamas a dançar lá dentro, ouvia o crepitar da lenha e sentia que o forno respirava, como um velho sábio da casa. Com o passar dos anos, o forno deixou de cozer pão. As mãos mudaram, os tempos também. Mas o forno ficou. Hoje, na Casa de Sanoane de Cima, ele é um ornamento do ecomuseu da casa, limpo, cuidado, respeitado. Lourenço leva os amigos até ele e explica, com orgulho: — Aqui cozia-se o pão da família e, às vezes, do vizinho também. As pessoas escutam, tocam na pedra morna do passado e sorriem. Lourenço sabe que o forno já não tem fogo, mas tem memória. E isso é um calor que nunca se apaga. Assim, o forno antigo continua a cumprir a sua missão: ensinar. Ensina que o pão não nasce nas prateleiras, que o trabalho une as pessoas e que a história também alimenta. E sempre que Lourenço passa por ele, o velho forno parece sorrir, agradecido por ainda ser lembrado na Casa de Sanoane de Cima.

O Menino António e a Figueira da Casa de Sanoane de Cima

Na Casa de Sanoane de Cima, onde os muros de pedra guardavam histórias antigas e o sol se demorava a brincar com as sombras, vivia uma figueira grande e generosa. O seu tronco era grosso, retorcido pelo tempo, e as folhas largas pareciam mãos verdes sempre abertas. Ali passava muitos dias o menino António, curioso e alegre, que gostava de ouvir os sons da aldeia: o cantar dos pássaros, o correr da água na ribeira e o vento a dançar nas folhas da figueira. Certa manhã de verão, António aproximou-se da árvore e falou-lhe em segredo: — Bom dia, minha figueira. Será que hoje tens histórias para me contar? A figueira abanou suavemente os ramos, como se respondesse. António sentou-se à sua sombra fresca, sentindo o cheiro doce dos figos maduros. Cada figo parecia guardar um pequeno tesouro de sol. Quando colhia um figo, António lembrava-se de dividir com quem passava: um para o vizinho cansado, outro para a criança que vinha do caminho, outro ainda para a mãe, que sorria ao ver o filho tão generoso. A figueira parecia ficar mais feliz a cada gesto de partilha. Num dia de muito calor, um rebanho passou pela estrada e os animais pararam à sombra da figueira. António levou água fresca e ficou ali, protegido, como se a árvore fosse uma mãe grande a cuidar de todos. Diziam os mais velhos que a figueira da Casa de Sanoane de Cima dava os figos mais doces porque sabia ouvir as crianças. E António acreditava nisso, pois sempre que estava triste, bastava encostar-se ao tronco e sentir o coração ficar leve. Assim, o menino António cresceu, mas nunca esqueceu a figueira. E a figueira, paciente e sábia, continuou ali, ensinando a quem passava que a verdadeira riqueza nasce da sombra partilhada, do fruto dividido e do amor pela terra. E ainda hoje, quem passa pela Casa de Sanoane de Cima diz que a figueira sorri quando uma criança se senta a brincar debaixo dos seus ramos.

sábado, 13 de dezembro de 2025

A Ameixoeira da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Manuel

Na Casa de Sanoane de Cima, na aldeia de Bucos, havia uma ameixoeira antiga, de tronco grosso e ramos generosos, que todos conheciam. Na primavera, vestia-se de flores brancas como pequenos flocos de neve, e no verão enchia-se de ameixas roxas e douradas, doces como o mel da serra. O menino Manuel gostava muito daquela ameixoeira. Todos os dias, depois da escola, corria até ao quintal para lhe contar segredos. Sentava-se à sua sombra fresca e dizia-lhe como tinha sido o dia, as brincadeiras com os amigos e os sonhos que tinha para quando fosse grande. A ameixoeira parecia ouvir tudo, balançando suavemente os ramos ao sabor do vento, como se respondesse com carinho. Certo ano, o verão veio mais quente e seco do que o costume. As fontes corriam mais fracas e as plantas pareciam cansadas. Manuel reparou que as folhas da ameixoeira estavam menos verdes. Preocupado, começou a trazer-lhe água todos os dias, num pequeno balde, mesmo que fosse pesado para as suas mãos de criança. — Não te preocupes — dizia ele — eu cuido de ti, como tu cuidas de mim. A ameixoeira, agradecida, guardou forças. Quando chegou o tempo da colheita, ofereceu mais ameixas do que nunca. Eram grandes, sumarentas, e tinham um brilho especial. Manuel colheu-as com cuidado e levou-as para casa, onde a família fez compotas e partilhou com os vizinhos, como sempre se fazia na aldeia. Numa tarde tranquila, Manuel mordeu uma ameixa madura e sentiu um sabor diferente, mais doce, quase mágico. Nesse instante, percebeu que a ameixoeira lhe tinha ensinado algo importante: quem cuida, recebe; quem partilha, nunca fica pobre. Desde então, sempre que passava pela Casa de Sanoane de Cima, Manuel parava junto da ameixoeira, agradecia-lhe em silêncio e sorria. E a árvore continuou ali, ano após ano, guardando memórias, histórias e a amizade sincera de um menino que aprendeu com a natureza a beleza de cuidar e partilhar.

Primavera de Bucos

Entre os socalcos verdes, o vento desliza como um sussurro desperto. O campo se veste de cores suaves, e as cerejeiras florescem em nuvens rosadas, espalhando perfume pelo ar. As ribeiras, com suas águas cristalinas, cantam baixinho, como risos de crianças correndo monte abaixo. Cada canto da aldeia parece acordar para um novo ciclo, e o tempo, aqui, respira no ritmo da natureza. É na primavera que Bucos se revela no seu esplendor mais calmo e radiante. O ar tem o perfume de recomeço, macio e brilhante como o sol filtrado pelas giestas. As pessoas saem de casa, como que atraídas pela luz que inunda os campos, e tudo ao redor reflete a renovação que a estação traz. Os socalcos que definem a paisagem de Bucos — verdadeiros labirintos verdes — tornam-se o cenário perfeito para os pequenos gestos da vida rural. As flores nascem nos cantos mais inesperados, e a terra, cultivada com tanto cuidado, parece agradecer o toque da estação. Quem passa por ali, seja morador ou visitante, sente o abraço suave da primavera, como uma promessa de crescimento e continuidade. Na aldeia, as conversas giram em torno das colheitas que estão por vir. As mulheres, com os cestos ao braço, já falam sobre o tempo da apanha da cereja, as frutas vermelhas que dominam os campos e que logo estarão prontas para enfeitar as mesas e as festas de verão. A vida é feita de pequenos ciclos, e em Bucos, cada um deles é celebrado com a mesma intensidade, como um ritual de união entre a terra e as pessoas.

O Pessegueiro da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Miguel

Era uma vez, numa aldeia tranquila, um pessegueiro que crescia no quintal de uma casa rural Sanoane de Cima e encantada. Esse pessegueiro não era qualquer árvore. Diziam que ele tinha um segredo especial, algo que o tornava diferente de todos os outros. As pessoas da aldeia chamavam-no de "O Pessegueiro Mágico". Naquela casa morava o menino Miguel. Ele era um garoto curioso e alegre, que adorava explorar os cantos da natureza ao redor de sua casa. Miguel já ouvira muitas histórias sobre o pessegueiro, mas sempre achava que eram apenas lendas contadas pelos mais velhos. Até que um dia, decidiu investigar por conta própria. Certo fim de tarde, quando o sol já estava se pondo e a brisa fresca da noite começava a chegar, Miguel resolveu que era hora de descobrir o que havia de tão especial naquela árvore. Ele se aproximou do pessegueiro, que estava cheio de frutos dourados e rosados. Quando tocou o tronco da árvore, algo mágico aconteceu. "Olá, Miguel!" disse uma voz suave, como o som do vento entre as folhas. Miguel pulou para trás, assustado. "Quem... quem está falando?" "Sou eu, o pessegueiro!" respondeu a árvore com uma risada suave. "Não tenha medo, meu amigo. Venha mais perto. Eu sou velho e tenho muitos segredos. Mas, para contar, preciso de sua ajuda." Miguel não acreditava no que estava ouvindo. Um pessegueiro conversando com ele? "Você está falando sério?" perguntou, com os olhos arregalados. "Sim, estou", disse o pessegueiro. "Eu fui plantado aqui há muitos anos por seus avós, e desde então tenho cuidado da terra, da casa e de todos que moram aqui. Eu sou parte da família Sanoane de Cima. Mas agora, preciso de um amigo para ajudar a proteger minha magia." Miguel ficou mais curioso. "Como eu posso ajudar?" "Bem", disse o pessegueiro, "minha magia vem da união entre a natureza e as pessoas. Eu sou a árvore mais forte da aldeia, mas preciso que você cuide de mim e das minhas frutas. Quando alguém come um dos meus pêssegos, algo de bom acontece. Eles ficam mais alegres, mais generosos. Mas, se alguém pegar um pêssego sem pedir, a magia vai embora e a árvore começará a murchar." Miguel sentiu um calor no peito. "Então, os pêssegos são mágicos?" "Sim", respondeu o pessegueiro. "Mas eles só têm magia quando são colhidos com amor e respeito pela natureza. Você pode escolher um pêssego, mas sempre com cuidado e gratidão." Miguel pensou por um momento e, com um sorriso, pegou um pêssego da árvore. Ele segurou o fruto com cuidado e olhou para o pessegueiro. "Eu prometo cuidar de você", disse Miguel. A árvore se balançou suavemente, como se estivesse sorrindo. "Muito bem, meu amigo. Agora, você verá o poder da amizade entre a natureza e o coração humano." No dia seguinte, quando Miguel levou o pêssego para sua avó, ela ficou surpresa com a doçura e a energia que o envolvia. "Onde você encontrou este pêssego, Miguel?" perguntou ela, sorrindo. "Foi o pessegueiro da casa", respondeu Miguel, com um brilho nos olhos. "Ele me contou um segredo." A partir daquele dia, Miguel passou a cuidar do pessegueiro todos os dias, regando suas raízes e garantindo que ninguém pegasse os pêssegos sem pedir permissão. Ele sabia que aquela árvore era mais do que uma simples planta. Ela era uma amiga mágica, cheia de segredos e histórias para contar. E assim, a magia do pessegueiro de Sanoane de Cima continuou a florescer, espalhando alegria, bondade e magia por toda a aldeia, graças ao cuidado e respeito do menino Miguel. Fim.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A Rechã de Sanoane

Na rechã de Sanoane, o tempo abranda, sobre a terra aberta ao céu antigo, ergue-se o cruzeiro, guardião de silêncios, cruz de pedra onde a fé repousa e vigia. Ali, os passos antigos deixaram sinais, vozes de outrora misturam-se ao vento, rezas baixas, promessas simples, a sombra do cruzeiro alonga-se na tarde. A Casa de Sanoane de Cima observa, de janelas abertas ao vale e à memória, paredes que guardam risos, lutos e esperança, coração de pedra onde a vida sempre voltou. Entre a casa e o cruzeiro corre a história, feita de encontros, partidas e regresso, terra partilhada, chão de comunidade, onde cada pedra sabe o nome de quem passou. E quando o sol se deita por trás dos montes, a rechã fica em silêncio dourado, como se o lugar inteiro rezasse baixinho, agradecendo o dia, guardando o amanhã.

O Verão do Menino Daniel na Casa de Sanoane de Cima

Era verão na Casa de Sanoane de Cima, e o sol parecia gostar tanto dali que se demorava horas a brilhar sobre os vales. As tardes estendiam-se douradas, como um grande cobertor de luz, e o menino Daniel acordava todos os dias com um sorriso, pronto para novas aventuras. Daniel adorava correr pelas eiras, onde o calor dançava sobre as pedras como se fossem pequenas miragens. O canto dos grilos vinha das clareiras, um concerto que parecia feito só para ele. Sempre que o ouvia, Daniel imaginava que os grilos eram músicos escondidos no meio da erva, tocando violinos minúsculos. Ao lado da casa, os pinheiros balançavam lentamente com o vento quente. Daniel achava que eles estavam a acenar-lhe, como amigos gigantes que o acompanhavam em silêncio. Quando o vento soprava mais forte, as sombras dos pinheiros moviam-se no chão e Daniel corria para tentar pisá-las antes que fugissem. Mas o que Daniel mais gostava era dos tanques de água nas eiras. A água era tão fresca que parecia feita de pedacinhos de nuvem. Ele metia os pés, chapinhava, ria, e às vezes via o seu reflexo ondulado, como se fosse um peixe mágico prestes a saltar. Num desses dias de calor, Daniel decidiu seguir o som da água que corria desde a fonte. Caminhou pelas estradas de paralelo, sentindo o cheiro das pedras quentes e o murmúrio fresco da nascente. Quando chegou à fonte, encontrou uma libélula azul pousada na borda. Era tão brilhante que parecia feita de vidro. — Olá, pequena estrela das asas — disse Daniel. A libélula levantou voo e, para surpresa do menino, começou a rodopiar à sua volta. Daniel seguiu-a por entre os fetos e as flores silvestres, até chegar a um recanto que nunca tinha visto: um pequeno poço de água tão límpida que o céu parecia ali morar. A libélula pousou numa pedra e Daniel percebeu que aquele era um lugar especial, um segredo da serra guardado só para quem soubesse escutar o verão. Ele sentou-se, mergulhou as mãos na água fresca e prometeu voltar todos os verões, para reencontrar a natureza, os grilos músicos, os pinheiros gigantes e, claro, a sua amiga libélula. Desde então, para o menino Daniel, o verão na Casa de Sanoane de Cima nunca mais foi igual — tornou-se uma estação mágica, cheia de aventuras e pequenos tesouros escondidos.

A Videira Encantada de Sanoane de Cima e o Menino Pedro

Na freguesia de Bucos, havia uma casa muito antiga chamada Casa de Sanoane de Cima, e junto dela crescia uma videira tão grande e tão frondosa que todos na aldeia a conheciam. Diziam até que era a Rainha das Videiras da Serra da Cabreira. A videira era tão enorme que, com o passar dos anos, se estendeu com graça sobre o caminho público e abriu os braços verdes até à rechã do cruzeiro e ao muro da casa. Os seus ramos faziam uma sombra fresca, boa para descansar no verão. Debaixo dela ficava o lavadouro, onde as mulheres iam lavar a roupa cantando. A sombra da videira protegia-as do sol, e as folhas murmuravam histórias ao vento. Até os animais, quando iam beber água ao tanque, paravam um instante, como se escutassem a voz suave da videira. E quem mais adorava aquele lugar era o menino Pedro. Pedro passava ali muitas tardes. Assim que as primeiras uvas amadureciam, ele chegava devagarinho, estendia a mão e colhia um cacho. As uvas eram doces, brilhantes como pequenas jóias, e ele dizia muitas vezes: — São as melhores uvas do mundo! Mas Pedro não era o único admirador. As crianças que passavam pelo caminho paravam sempre para provar um bago, felizes com aquele presente da natureza. A videira gostava disso. Sentia-se útil, importante, parte viva da aldeia. E quando chegava o tempo das vindimas, os adultos colhiam as uvas com respeito e alegria. Depois, lá na adega, nascia um vinho saboroso, que enchia a Casa de Sanoane de Cima com o cheiro suave do outono. Certa tarde, enquanto Pedro descansava à sombra da videira, ouviu um sussurro leve, como se as folhas falassem: — Obrigado, Pedro. Tu e todos os que aqui passam dão-me vida. Sem vocês, eu não seria esta videira feliz que sou. Pedro sorriu, porque no fundo acreditava que as plantas tinham alma — e aquela videira, com certeza, tinha uma grande. Desde então, sempre que alguém passava pelo caminho público, pela rechã do cruzeiro ou pelo lavadouro, lembrava-se da velha videira amiga, que dava sombra, acolhia pessoas, refrescava animais, oferecia uvas doces às crianças e vinho delicioso aos adultos. E o menino Pedro cresceu com a certeza de que aquela videira fazia parte da história da sua vida — e da própria magia de Bucos.

A Macieira da Casa de Sanoane de Cima e o Menino Lourenço

Na aldeia serrana de Bucos, destacava-se a macieira da casa de Sanoane de Cima, conhecida pelas suas belas maçãs. Diariamente, o menino Lourenço visitava a árvore para colher e saborear um fruto. Era com genuíno prazer que ele observava o ciclo das maçãs, estação após estação. O ritual simples tornou-se uma constante feliz na sua infância. Com o passar dos anos, a macieira foi envelhecendo, tal como Lourenço, que crescia. A árvore testemunhou silenciosamente a passagem do tempo, mantendo-se como um marco afetivo na paisagem e na memória do menino Lourenço.

A Nogueira da Casa de Sanoane de Cima e o Miguel

A Nogueira da Casa de Sanoane de Cima e o Miguel Na aldeia serena de Bucos, havia uma casa antiga com um quintal mágico, onde se erguia uma grande nogueira. Era tão alta que parecia tocar o céu, e tão antiga que muitos diziam que já existia quando os avós dos avós eram crianças. O Miguel, um menino curioso e cheio de imaginação, adorava brincar debaixo daquela árvore. Para ele, a nogueira era mais do que apenas uma árvore: era uma amiga que sabia ouvir, guardar segredos e contar histórias ao vento. Todas as manhãs, Miguel ia ter com ela. — Bom dia, Dona Nogueira! — cumprimentava, levantando a cabeça para ver as folhas dançarem ao sol. A nogueira, com o seu tronco largo e rugoso, respondia sempre da mesma forma: com um suave balançar de ramos, como quem diz “Bom dia, Miguel”. O Segredo da Nogueira Um dia, enquanto Miguel brincava com uma casca de noz caída no chão, ouviu um sussurro leve, quase como um sibilo do vento: — Miguel… Miguel… Assustado, olhou à volta, mas não havia ninguém. O sussurro voltou: — Sou eu, a Nogueira… Quero mostrar-te uma coisa. Miguel aproximou-se do tronco e pousou a mão. Num instante, sentiu o chão a brilhar sob os pés, e uma pequena porta de madeira surgiu na base da árvore. — Entra, disse a voz suave. O coração do Miguel batia depressa, mas a curiosidade era maior que o medo. Ele empurrou a portinha e entrou num mundo secreto, cheio de luz dourada e cheirinho a folhas frescas. Lá dentro, viviam pequenos duendes das nozes, criaturas alegres com barbas feitas de fios de casca e chapéus verdes. Eles guardavam o segredo da árvore: um tesouro de memórias. O Tesouro das Memórias O chefe dos duendes, chamado Nozico, aproximou-se: — Miguel, esta nogueira guarda as memórias das famílias que viveram na Casa de Sanoane de Cima. Cada noz é uma recordação, uma história, um riso, uma alegria! Mostrou-lhe uma noz brilhante. Quando a abriu, Miguel viu como num filme: crianças a brincar, festas no quintal, merendas de verão à sombra da nogueira. Era como se o tempo voltasse atrás. — A tua família também faz parte destas memórias, disse Nozico. — E agora tu, Miguel, és o guardião deste lugar. A Promessa do Miguel Miguel sorriu, cheio de orgulho. Prometeu que iria cuidar da nogueira, dos duendes e das histórias guardadas. Quando saiu pela portinha mágica, ela desapareceu, deixando apenas o tronco forte e silencioso. A nogueira voltou a falar: — Sempre que precisares, Miguel, estarei aqui. Basta ouvires o vento. E assim, todos os dias, Miguel continuou a visitar a sua amiga. Agora sabia que, para além da sombra e das nozes, aquela árvore escondia um mundo inteiro — um mundo que só existe para quem acredita na magia das coisas simples.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Homenagem a Antônio Santos Touça

Homenagem a Antônio Santos Touça Neste momento de profunda tristeza, venho prestar nossa homenagem a Antônio Santos Touça, um homem íntegro que marcou a vida de todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Sua partida deixa um vazio imenso, mas também nos oferece a oportunidade de refletir sobre a rica trajetória que construiu e os ensinamentos que nos deixaram. Antônio era um exemplo de honestidade, sempre pautando suas ações por valores que inspiravam aqueles ao seu redor. Sua integridade não era apenas uma característica, mas sim uma forma de vida. Ele declarou que, em um mundo muitas vezes desafiador, é possível permanecer fiel a si mesmo e aos seus princípios. Essa firmeza moral o destacava em qualquer ambiente, seja no âmbito profissional, familiar ou social. Além, Antônio era um homem do povo, sempre disposto a ajudar quem precisasse. Sua generosidade e empatia foram traços marcantes de sua personalidade, e sua presença sempre transmite um sentimento de acolhimento e respeito. Ele acreditava no poder da comunidade e investia seu tempo e energia para tornar o mundo ao seu redor um lugar melhor, seja por meio de ações voluntárias ou oferecendo um ombro amigo. Com sua sabedoria e visão de futuro, Antônio nos ensinou a importância de lutar pelos nossos valores e de nunca desistir dos nossos sonhos. Sua vida é um legado que deve ser comemorado e honrado, e sua memória viverá sempre em nossos corações. Neste tributo, lembramos de Antônio Santos Touça não apenas como um homem íntegro, mas como um amigo, um mentor e uma fonte de inspiração. Que possamos honrar sua memória através de nossas ações, sempre buscando ser o melhor, assim como ele foi. Descanse em paz, querido Antônio. Seu legado perdurará em nossas lembranças e em nossos corações. Manuel Braz

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Viagem por Bucos

Aqui tem um resumo destacando os pontos principais de uma viagem por Bucos observando a essencia de seu património natural e cultural. Ponte da Pereira : Uma ponte de grande importância sobre o rio Peio, que une história e natureza. É um local ideal para observar a biodiversidade local, incluindo trutas em suas águas cristalinas. Moinhos tradicionais : Os moinhos ainda estão em funcionamento, moendo milho e centeio, demonstrando a sabedoria ancestral e a importância da agricultura. Espigueiros : Esses celeiros contam histórias das colheitas e do trabalho local, contribuindo para o charme da paisagem rural. Igreja de Bucos : Um centro espiritual e coração comunitário, construída no local de uma antiga capela, com túmulos de pedra e uma torre sineira cujo som ecoa pela região. Casas históricas : A existência de várias casas tradicionais ilustra a rica herança arquitetônica da comunidade. O Cruzeiro: Comunidade da Portela : Situada no alto de Bucos, esta coleção de casas oferece vistas deslumbrantes da paisagem rural circundante e promove um forte senso de comunidade. Nicho da Senhora dos Caminhos : Construção de 1964 simbolizando a proteção dos viajantes, localizada na praça do Balteiro, agregando pontos de interesse de Bucos. Este resumo pinta um belo retrato de Bucos como um lugar repleto de história e beleza natural, deixando claro por que é um destino encantador. Se você tiver algum aspecto específico de Bucos que gostaria de explorar mais a fundo ou alguma dúvida sobre a região, fique à vontade para perguntar!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Bucos, Terra de Bons Pescadores

Em Bucos, onde os montes se fecham em abraços largos e o vento corre como memória antiga, sempre se disse que as águas falam. Nos ribeiros da Cangada e do Pertessouto, que serpenteiam vivos até se entregarem ao Rio Peio, a pesca não era apenas ofício: era arte, era saber transmitido de geração em geração, era forma de completar a mesa quando o peixe faltava. As águas límpidas, correndo por pedras gastas e musgos eternos, guardavam trutas ligeiras como sombras. Para as apanhar, era preciso mais que sorte — era preciso paciência, silêncio e aquela espécie de respeito antigo que os homens de Bucos sabiam ter pelos ribeiros. Entre eles, destacavam-se mestres cuja fama se espalhava de eira em eira. Lembro-me bem do Sr. Egídio, do Lugar de Além do Rio, homem calado, de olhar vivo, que parecia adivinhar o caminho das trutas mesmo antes da corrente o dizer. Recordo o tio-avô Manuel de Urjais, que conhecia cada poço, cada remanso, cada sombra onde a água repousava. Diziam que pescava como quem reza: devagar, atento, dedicado. E havia também o Custódio das Ladeiras, ágil como rapaz novo, mesmo já com idade feita, que dominava o jeito de lançar o anzol curto e certeiro, no instante exacto em que a truta rompia o brilho da água. Eram homens simples, mas grandes naquilo que sabiam. Da sua perícia dependiam muitas vezes os almoços e jantares da família — e que jantares! As trutas de Bucos, fritas com alho, cozidas com presunto, ou assadas com folhas de louro e azeite novo, enchiam a casa de aromas que todos reconheciam como sabor de festa. A pesca nos ribeiros não era apenas sustento: era convivência, era orgulho, era encontro com a natureza que moldava o próprio povo. Cada captura contava uma história; cada prato na mesa trazia consigo o murmúrio da água fria, o brilho das escamas ao sol, e a habilidade desses bons pescadores que fizeram de Bucos terra de trutas e de mestres. Hoje, quando passo pelos ribeiros da Cangada e do Pertessouto, sinto ainda o eco dessas memórias. As águas continuam a correr, teimosas e claras, como quem guarda segredos antigos — dos homens que nelas aprenderam a pescar e das trutas que, geração após geração, alimentaram famílias e história.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Canto da Casa de Sanoane de Cima

(Folclore minhoto / transmontano, ritmo vivo para concertina) I Lá no alto da Rechã, onde o vento faz caminho, Há uma casa que é farol, pedra velha com carinho. Casa de Sanoane é nome, tradição que nunca passa, É história que se levanta no calor de cada praça. Refrão Ó Casa de Sanoane, lá no cimo a florescer, quem te vê não te abandona, volta sempre a teu saber. A concertina dá o tom, o povo canta e anima: viva a alma de Bucos, viva a Casa de Sanoane de Cima! II No sopé do Outeiro antigo, o cruzeiro faz vigília, E ecoam pelas paredes séculos de uma família. Delgados, Henriques e Brás, nomes que o tempo guardou, Cada pedra tem memórias do suor que ali ficou. Refrão Ó Casa de Sanoane, lá no cimo a florescer… (repete) III Quando a concertina soa, dança o povo na eira, E a lua fica a espreitar por cima da oliveira. Quem entra sente o abraço desta casa tão antiga, Que no peito de quem parte deixa sempre uma cantiga. Refrão final Ó Casa de Sanoane, és raiz que nunca finda! Quem nasceu ao teu lado tem a alma mais bem-vinda. Entre histórias e saudade, canta a terra que nos anima… viva Bucos, viva a gente, viva a Casa de Sanoane de Cima!

Poema a Casa de Sanoane de Cima

No sopé do outeiro, onde a rechã respira calma, ergue-se a Casa de Sanoane de Cima, velha de séculos, com a Cruz de São João gravada na alma e o vento a sussurrar histórias desde 1677. Entre silêncios de pedra e memórias de luz, passaram os Delgado, que ali plantaram raízes, os Henriques, que lhe deram voz e caminho, e os Braz, guardiões do tempo e do destino. Junto ao cruzeiro, onde a fé encontra a terra, a casa vigia o vale como um velho pastor, sentinela de invernos duros e primaveras brandas, comportando no peito a coragem de quem viveu antes. À sombra da cruz, ergue-se o lume das gerações — um fio contínuo de mãos que semearam, moldaram, sonharam. Cada janela vê mais do que o mundo: vê a memória, a pertença, o coração de Bucos. E enquanto o outeiro permanece, altivo e paciente, a Casa de Sanoane de Cima persiste também, casa de pedra, casa de gente, casa de alma — um farol antigo, onde o passado acende o futuro.

Senhora dos Caminhos - Bucos

No largo quieto de Balteiro, onde a estrada respira passos antigos, ergue-se o vosso nicho humilde, farol sereno para todos os destinos. Senhora que vê partir e chegar, que acolhe os silêncios dos viajantes, no vosso olhar de pedra repousa a fé simples dos caminhantes. Desde mil novecentos e sessenta e quatro, guardais a poeira das idas e vindas, a pressa de uns, a saudade de outros, e os segredos deixados nas esquinas. Ó Senhora dos Caminhos, mãe de quem segue sem saber, abençoai cada jornada, cada passo que há de crescer. E que, no largo de Balteiro, o vosso nicho continue a ser o abraço que nunca se fecha, o porto que sabe acolher.

Trova à Senhora dos Caminhos

No largo do Balteiro há um nicho iluminado, À Senhora dos Caminhos, guardiã do povoado; Desde mil novecentos e sessenta e quatro erguido, Protege quem passa, na estrada, sempre sentido.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Lembranças de Bucos - Desfolhadas e Lavradas

Lembranças de Infância – As Jornadas do Campo em Bucos Nos anos cinquenta, a vida em Bucos desenrolava-se ao ritmo das estações e ao compasso das grandes tarefas agrícolas. Eram tempos em que os campos e as eiras se enchiam de gente, de vozes, de força e de cumplicidade. Cada trabalho exigia mãos, braços, pulmões – e, sobretudo, união. Hoje era para mim, amanhã era para ti, e assim se vivia, num ciclo de ajuda mútua que sustentava famílias e fortalecia amizades. Nas lavradas, o campo transformava-se num pequeno exército organizado. Havia os picadores das seitas, que abriam o solo firme; o espalhador do estrume, que preparava a terra para a nova vida; o homem do arado, que guiava o ferro profundo; e o puxador do gado, que orientava as vacas na sua passada lenta e poderosa. Mas a figura mais marcante era o tocador — o homem de pulmão largo, voz aberta, que berrava para anunciar que havia lavrada grande. Em Bucos, esse papel cabia ao Sr. Avelino do Jerónimo, mestre na arte de se fazer ouvir pelas serras e vales. O seu brado ecoava longe e era quase um chamamento ancestral, que misturava trabalho, orgulho e tradição. Nas malhadas do centeio, o ritmo era outro: seco, firme, compassado. Os malhadores batiam a palha com força, e o barulho dos malhos tornava-se quase música, acompanhado pelas conversas altas que desafiavam o silêncio da aldeia. Ali, o som era prova de vigor, era sinal de que o trabalho ia andando, de que havia fartura para colher. Nas tarefas das batatas, surgiam os arrancadores e as apanhadeiras, cada qual no seu gesto repetido mas essencial. Era trabalho duro, de muita dobra de costas, de terra nas mãos e pó nos rostos, mas também de companhia e partilha. E depois vinham as desfolhadas, talvez as mais alegres de todas. O trabalho ali era leve, quase festivo. Entre mãos ágeis que libertavam as espigas, surgiam as cantorias, as risadas e a expectativa do milho-rei, que trazia brincadeiras e pequenas cumplicidades. Nesses serões, havia menos esforço e mais convivência; as pessoas ficavam mais perto umas das outras, literalmente e no coração.

Lembranças de Infância em Bucos, (anos cinquenta).

Lembranças de Infância em Bucos Os Contadores de Histórias, o Jogo da Malha, o Jogo das Cartas e o Jogo do Pau. Quando penso na minha infância, vejo Bucos como uma aldeia cheia de vozes, risos e passos que ecoavam entre tascas, levadas e eiras. Era um lugar onde cada esquina parecia guardar um segredo, e cada casa sabia uma história. Os melhores contadores de histórias da minha meninice reuniam-se, quase sempre, na tasca ou adega do Sr. Jeremias. Lá, brilhavam três figuras que pareciam feitos de palavras: o José Leites, que desenhava histórias no ar com gestos largos; o José Fontes, com aquele jeito pausado que segurava a atenção de todos; e o Rodrigues, que fazia rir até quem chegava cansado do campo. Quando eles se juntavam, a tasca ficava pequena, e a noite parecia nunca querer acabar. Na Tasca do Sr. Orides, porém, o maior contador de histórias era o meu pai, Custódio Braz. Ele não contava apenas duas ou três histórias — ele criava momentos. E, como homem generoso que era, pagava uma rodada de vinho para todos, porque história boa, dizia ele, só se saboreia em conjunto. A tasca enchia-se sempre por dois motivos: para ouvir um conto e para beber um copo. E eu, pequeno, acompanhava-o nessas idas, absorvendo tudo, como quem recolhe sementes para guardar para a vida inteira. No exterior da tasca do Sr. Jeremias havia sempre movimento. Ali jogava-se à malha ou patela, um jogo que misturava destreza e camaradagem. Naquela altura, os melhores jogadores eram o José Portela, o Artur do Maria Teresa e o José Custódio do Lomba. A rapaziada, sentada no bordo da levada de água, assistia às jogadas com seriedade de quem vê campeões. Enquanto a malha voava, os jovens escutavam as narrativas do José Leites ou do José Fontes — como se o jogo e as histórias fizessem parte da mesma tradição. Já na tasca do Sr. Orides o jogo dominante era outro: as cartas. Ali, quem sobressaía era o Taneca, sobretudo no jogo do truque, aquele truque falado, cheio de piscadelas, subentendidos e pequenos blefes. No jogo da sueca, que exigia silêncio e concentração, destacavam-se o Taneca e também o Joaquim da Caseira, que mais tarde seguiu para Maceira do Liz. Outra lembrança viva daqueles tempos era o jogo do pau. Aos domingos de manhã, era tradição ver o Mestre — o Sr. Ernesto dos Santos — ensinar a arte com elegância e precisão. Havia ali um respeito profundo, quase cerimonial, como se cada movimento guardasse a memória de muitos antes de nós. São estas as imagens que guardo de Bucos: as vozes que narravam, as mesas de jogo, a poeira da malha a levantar-se, o murmúrio da água na levada, o cheiro a vinho novo e o brilho nos olhos de quem sabia transformar o quotidiano em histórias que o tempo nunca conseguiu apagar. Porque crescer em Bucos foi isto: viver num lugar onde as histórias uniam as pessoas — e onde a infância, entre palavras e risos, ganhava raízes para toda a vida.