Três meses em Mafra
Três meses difíceis.
Nunca fui
jovem de desistir. Mas o aborrecimento constante, ao longo do tempo, marcou a
minha estadia naquela Unidade. A instrução militar foi sofrida, mas
conseguida.
A passagem da vida
civil para a militar foi uma mudança radical. Apesar dos tempos difíceis que se
viviam na altura, tinha os meus amigos, enfim poderei dizer que tinha uma vida
estabilizada. A tropa tirou-me um pouco tudo. Deixei de ter nome, passei a ser
tratado por um número, a alimentação era péssima, as provas físicas muito
exigentes e desgastantes e as provas psicológicas arrasadoras.
Recordo-me das
instruções noturnas, em que nos obrigavam a caminhar dentro da Tapada de
Mafra,onde o o mato era da nossa altura, passar de gatas por meio de túneis com
pouco mais de um metro de altura, com água a dar-nos pelo pescoço.
Recordo-me, ainda,
das instruções noturnas que começavam às dez da noite e quando por volta da
meia noite chegávamos exaustos ao quartel o instrutor dizia vamos dar
mais uma voltinha. Foram dias muito difíceis aqueles.
Sempre que vou a
Mafra, sinto um arrepio percorrer-me as costas. Isto acontece-me porque o tempo
de tropa que passei em Mafra foi bastante traumatizante, em consequência dos
feridos que houve entre os meus camaradas de companhia, fruto da
brutalidade da instrução militar que nos foi ministrada naquela Escola.
Ainda fui
indicado, pelo Comandante de Pelotão, para fazer provas para a tropa especial
Comandos, mas recusei por motivos pessoais. Depois, quando pensava na Força
Aérea, fui preterido por represália. Só contratempos.
Durante a
instrução do primeiro ciclo do Curso de Oficiais Milicianos, houve entre os
soldados-cadetes da minha incorporação dez feridos do meu pelotão de
instrução, diversos feridos no 4º pelotão num outro incidente. e outros
iam morrendo afogados na travessia de rio Lizandro, que foram salvos pelos
companheiros.
O problema era sentido na desumanidade do comando
sobre aqueles, que não podiam, principalmente.
Era aterrorizador
ver atitudes desumanas, ouvir impropérios e ver atos impensáveis, como rebentar
uma granada ofensiva no meio do pelotão e enviar 10 homens para a
enfermaria.
Como uma
areia me partiu os óculos, fui enviado pelo médico da unidade para o Hospital
Militar da Estrela, Lisboa, por precaução e para ser examinado. Foram os melhores
três dias da minha recruta. Depois da consulta, estávamos livres para passear e
conhecer Lisboa. Foi uma ótima terapia e estadia.
A terapia utilizada na instrução militar me fez
lembrar o filme "Tratamento de choque", em que os normais tinham de
ficar decididos, intolerantes.
Na última operação militar, travessia do rio
Lizandro, com o cansaço no corpo e as armas na mão, aconteceu a revolta
esperada de uma Companhia, que pretendia libertar-se das desumanidades ou
atrocidades cometidas. Valeu a intervenção do Comando da Escola, do Médico, dos
Enfermeiros, porque os Comandantes de Pelotão fugiram como cobardes. Foi fixe!
A revolta é um ato de coragem, de afirmação contra a intolerância, a estupidez.
Tudo aconteceu como no filme, os desafoitos ficaram na sua, mais tolerantes e
os normais, a grande maioria, ficaram intolerantes, decididos para enfrentar os
perigos.
Como terapia, será
que valeu? Mas foi demasiado estúpida e intolerante. Nos dias de hoje, os
Comandantes seriam incomodados para justificar tanta estupidez, como aconteceu
nos exercícios das Tropas "COMANDOS".
JURAMENTO DE BANDEIRA
MAFRA
5 companhias de COM, 25 pelotões, 1.115
soldados - cadetes
Sem comentários:
Enviar um comentário